O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a confissão dada por uma mulher acusada de ter matado o companheiro após uma das peritas, que atuou nas investigações do crime, participar de um podcast e dar detalhes do caso, ainda não julgado. Segundo uma entrevista concedida pela policial a um canal do Youtube, ela teria induzido a ré a confessar a autoria do crime.
A decisão pela anulação da confissão ocorreu após a defesa de Adriana Pereira Siqueira, acusada de ter matado o namorado a facadas em 2018 e depois ateado fogo no corpo, entrar com um pedido de habeas corpus na Justiça alegando violação do seu direito ao silêncio, depois que um agente policial, em entrevista ao podcast, confessou tê-la coagido a confessar.
Em março de 2022, Telma Rocha e Leandro Lopes, peritos do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de São Paulo (DHPP), participaram de um podcast transmitido em um canal do Youtube. Na ocasião, os agentes deram detalhes do crime envolvendo Adriana, do qual participou das investigações.
Em relato ao podcast, Telma detalhou como convenceu Adriana a confessar a autoria do crime, sem informar previamente de seu direito de permanência em silêncio, direito este pertencente a todo acusado.
Assim, de maneira indireta, a perita revelou durante uma entrevista ter coagido a acusada a confessar a autoria do crime. Na época, as autoridades chegaram até Adriana depois que o carro da vítima foi localizado queimado com o corpo dele dentro.
Com as provas apresentadas pela defesa de Adriana, diante das declarações dadas pela perita, os representantes da ré apresentaram um pedido de habeas corpus alegando violação do direito ao silêncio da acusada.
Segundo previsto na Constituição Federal brasileira: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanência calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado”, o que a defesa de Adriana afirma perante a Justiça que não aconteceu .
Além disso, a casa da acusada também teria sido vasculhada pelos peritos após o crime em decorrência da conversa da perita com a ré, onde teria ocorrido uma suposta confissão.
Uma confissão
Na ocorrência do crime, as autoridades compareceram à casa de Adriana depois que o carro do namorado foi localizado queimado com o corpo dele dentro. A própria família do companheiro, após ser informada da morte dele, teria afirmado à polícia que pela última vez em que foi visto ele estaria a caminho da casa de Adriana. Ao chegarem à residência, uma equipe policial se deparou com Adriana.
– “Vi sangue embaixo da unha. Razoável. Aí olhei, eu me afastei um pouco dela e comecei a olhar a roupa dela. Aí ela tinha outra mancha de sangue na calça jeans.”, iniciou Telma ao detalhar o caso ao podcast que participou como entrevistada.
Segundo o relato da perita, ela orientou a acusada que estava apenas conversando e que Adriana não deveria responder enquanto ela estava falando, mas sim apenas ir “pensando na resposta”.
— “Eu fui enrolando ela um pouco… falando para ela ‘às vezes a gente quer tomar uma atitude, mas no calor da emoção a gente toma outra atitude e isso não está previsto’. Falei que ela não ia sair de lá esculachada, algemada, ou no camburão da viatura. E ela: ‘não fui eu, não fui eu!’. Falei calma, deixa eu acabar de falar.”, prossegue Telma durante uma entrevista.
— “E aí a gente deu mais uma forçadinha. […] Falei: ‘Só que você confessar agora para a autoridade policial vai te trazer um benefício”, diz a perita.
— “E aí ela falou: fui eu!”, finaliza Thelma.
Segundo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na época do crime, Adriana não foi anunciada de seu direito ao silêncio e ainda foi pressionada a confessar a prática delitiva.
A decisão
Após a entrevista concedida pela perita ao podcast, a defesa de Adriana entrou com o pedido de habeas corpus buscando a anulação do processo. A alegação utilizada era de que a ré foi coagida, sendo uma confissão não espontânea e livre, violando assim seu direito ao silêncio.
O pedido não foi acatado, mas a juíza Daniela Teixeira, do STJ, concedeu um ofício de ordem para anular o interrogatório extrajudicial, ocorrido entre a ré e a perita, utilizado na ocorrência para incriminá-la.
“Verifico a nulidade da confissão extrajudicial da acusada e a busca domiciliar realizada na casa do paciente, uma vez que ela foi concedida sem o conhecimento de seus direitos e sem voluntariedade, de modo que declare ilícitas tais provas.”, afirma a decisão proferida pela juíza .
Ainda segundo a magistrada, a conduta dos policiais durante a entrevista concedida ao podcast foi extremamente censurável:
“Verifico, ainda, que a conduta dos Policiais Civis Telma Rocha e Leandro Lopes são extremamente censuráveis por expor um caso que não foi julgado nos meios de comunicação, utilizando palavreado inadequado, em ambiente com bebida alcoólica e violando o dever de impessoalidade que se exige dos servidores públicos, motivo pelo qual determina que se oficie aos órgãos competentes para apurar a conduta funcional dos referidos servidores públicos.”, afirmou o ministro ainda na decisão.
Procurados em relação à conduta dos agentes, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que Thelma e Leandro já estão sendo investigados por meio de procedimento administrativo instaurado pela Corregedoria, o que tramita sob sigilo, segundo a Lei Orgânica da instituição.
UM CNN também procurei contato com Thelma. Segundo ela, a ré teria confessado o crime para a autoridade policial, e não para ela, e que no DHPP teria lido sim seus direitos.
“Acredito que está tendo uma grande confusão. anestesia Estouda com essa situação. Trabalho com homicídio há 30 anos. A ré não confessa para mim. Estou perplexa e sem entender até agora.”, afirmou a perita ao ser procurada.
Ó crime
Adriana Pereira Siqueira, na madrugada do dia 21 de abril de 2018, matou o companheiro a facadas após amarrá-lo depois de descobrir uma suposta traição. No dia seguinte ao crime, a acusada atou fogo no carro do namorado, com o corpo dele dentro, e retornou normalmente para sua residência. Na época, ela residia em São Bernardo do Campo, grande ABC Paulista.
Segundo consta na ação penal do caso, a traição vinda do companheiro seria a principal motivação para o crime. Posteriormente, ela foi presa em flagrante e teve a prisão convertida em preventiva mais tarde.
Na época, Adriana teria sido alegada às autoridades ter agido em defesa legítima após o companheiro chegar alcoolizado e nervoso na casa dela. Na ocasião, uma discussão teria sido iniciada entre eles e depois desenvolvida para agressões. Segundo a ré, o companheiro teria então tentado pegar uma faca, tomada por ela em seguida. Foi onde ela proferiu golpes com a arma branca contra a vítima.
Em depoimento à polícia, a irmã do ex-companheiro de Adriana chegou a alegar em depoimento que o casal discutia recorrentemente. Em uma das brigas ocorridas durante o relacionamento deles, com uma duração de aproximadamente 4 anos, a acusada também já teria anteriormente tentado atropelar a vítima, segundo afirmou a irmã.
Em 2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liberdade provisória a Adriana. Atualmente, ela aguarda julgamento pelo júri popular.