O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria dos votos, reconheceu a repercussão geral de um processo que investiga os limites da exploração econômica de obras autorais em plataformas de streaming.
O cerne da questão envolve os renomados cantores e compositores Erasmo Carlos (representado por seu espólio) e Roberto Carlos. Eles ajuizaram uma ação contra uma gravadora, alegando o uso indevido de suas composições no ambiente digital. A controvérsia reside no fato de que os contratos de cessão de direitos foram firmados antes da era digital, e, portanto, não previam nem autorizavam o uso das músicas em plataformas digitais.
A decisão foi proferida no ARE 1.542.420, com a relatoria do ministro Dias Toffoli. O ministro Edson Fachin foi o voto vencido.
ENTENDA O CASO
A ação judicial teve início com os artistas, que alegam ter assinado contratos entre 1964 e 1987. Esses acordos se destinavam à exploração de suas obras em formatos analógicos, como LPs, CDs e DVDs. A principal justificativa para a demanda é que esses contratos foram firmados antes da revolução digital, não abrangendo, portanto, o uso de suas músicas em plataformas de streaming.
Os autores argumentam que os contratos não previam explicitamente a utilização digital das obras. Eles sustentam que, mesmo que fossem interpretados como cessões de direitos, haveria uma violação dos princípios da boa-fé objetiva. Além disso, eles citam que os valores pagos pelo uso digital são irrisórios – por exemplo, o recebimento de R$ 4.454,81 por milhares de execuções em apenas um trimestre. A falta de uma prestação de contas transparente e a ausência de participação nas negociações com as plataformas de streaming são outros pontos de reclamação.
ARGUMENTOS CONSTITUCIONAIS
No recurso apresentado, os músicos destacaram que a situação viola diversos incisos do artigo 5º da Constituição Federal. Entre os pontos levantados estão a legalidade (inciso II), a autonomia da vontade (XX), o direito de propriedade (XXII) e o direito autoral (XXVII e XXVIII). Eles reforçaram que os contratos originais não poderiam ser interpretados para incluir tecnologias que sequer existiam na época da assinatura. Além disso, defenderam o direito de resilir (encerrar unilateralmente) os contratos para evitar uma perpetuação contratual sem amparo legal.
Em contrapartida, a editora argumentou que os contratos firmados são totalmente válidos e que abrangem os direitos de exploração das obras em qualquer meio, inclusive aqueles que surgirem futuramente. A empresa também alegou que a cessão de direitos é definitiva, comparando-a a uma transação de compra e venda. Para reforçar sua posição, a editora mencionou decisões judiciais anteriores em casos semelhantes, incluindo ações movidas pelos próprios artistas, que foram julgadas improcedentes.
REPERCUSSÃO
A questão em análise possui relevância jurídica, econômica e social, ultrapassando os interesses específicos das partes, conforme destacou o ministro Dias Toffoli, relator do caso. Ele enfatizou que o litígio não se restringe a Roberto e Erasmo Carlos e a editora, mas abrange toda a classe artística e o setor fonográfico brasileiro.
Para o relator, o Supremo Tribunal Federal (STF) precisa se manifestar sobre o direito constitucional de fiscalizar a exploração econômica de obras intelectuais em plataformas digitais. Essa necessidade se acentua diante do crescimento exponencial do mercado de streaming no Brasil, que gerou bilhões em faturamento nos últimos anos, e da falta de regulamentação específica para a remuneração dos autores nesse cenário.
Dessa forma, a Corte terá a incumbência de estabelecer uma tese sobre a validade e os limites de contratos antigos de cessão de direitos autorais diante das novas tecnologias.
Fonte
Oferecimento: https://amplojuridico.com.br