Kilmar Armando Ábrego García, um pai de três filhos de Maryland que o governo dos Estados Unidos de Donald Trump admitiu ter deportado injustamente para El Salvador, ainda não conseguiu entrar em contato com sua esposa, filhos ou entes queridos, revelou sua esposa, Jennifer Stefania Vásquez Sura, em uma coletiva de imprensa na sexta-feira (4).
“‘Seja forte, eu serei forte’ foram suas últimas palavras enquanto ele estava algemado, esperando que eu pegasse Kilmar Junior, nosso filho de cinco anos, que estava no carro quando o ICE o sequestrou”, lamentou Vásquez Sura. García havia acabado de buscar o filho no trabalho quando foi preso na frente do menino, que é autista.
“Em um piscar de olhos, nossos três filhos perderam o pai, eu perdi o amor da minha vida”, desabafou Vásquez Sura, visivelmente emocionada durante a coletiva.
O governo Trump admitiu em um processo judicial na segunda-feira que deportou injustamente García, que vivia em Maryland há 14 anos, para El Salvador “devido a um erro administrativo”, mas argumentou que uma ordem judicial não poderia obrigá-lo a trazê-lo de volta, pois ele agora está sob custódia salvadorenha.
“O ICE chamou isso de erro administrativo, mas sejamos claros: destruir uma família não é administrativo”, declarou Lydia Walther-Rodríguez, chefe de organização e liderança da CASA, uma organização de defesa dos imigrantes. “Não há nada de acidental em violar uma ordem judicial clara. Não há nada de simples em fazer alguém desaparecer em uma prisão salvadorenha desonrosa, tudo pago pelo governo Trump”, complementou.
García, cidadão salvadorenho, havia recebido status de proteção de um juiz de imigração em 2019, proibindo o governo federal de enviá-lo para El Salvador.
Antes de sua deportação, ele foi preso pelo Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) em meados de março “devido ao seu papel proeminente na MS-13”, de acordo com uma declaração. Seus advogados alegam que ele não é membro nem tem qualquer vínculo com a gangue.
Lucía Curiel, uma advogada que representou García em 2019, afirmou que foi ela quem o informou na época que um juiz o havia absolvido “de acusações imprecisas e falsas” de pertencimento a gangues.
“Eu disse a ele, significativamente, que ele poderia ficar, viver nos Estados Unidos e que o governo estava proibido de deportá-lo para El Salvador”, relembrou Curiel. “Eu nunca o vi sorrir tanto naquele momento; a notícia que eu lhe dei era verdade naquela época, e é verdade agora.”
“O governo o enviou para lá sabendo que estava proibido de fazê-lo”, acusou Curiel. “Eles consideram isso apenas um erro e se recusam a levantar um dedo para trazê-lo de volta. Isso não pode continuar.” O processo judicial parece marcar a primeira vez que o governo admite irregularidades relacionadas aos seus controversos voos de deportação para El Salvador.
Vásquez Sura, com a voz embargada, contou que sua filha de 10 anos tentou enviar uma mensagem de texto para o pai, expressando seu desejo de poder trocar de lugar com ele.
García, um metalúrgico, era membro do sindicato SMART (Sheet Metal, Air, Rail and Transportation Workers).
“Todos nós temos que imaginar nossa família, nossos amigos, se fôssemos detidos, deportados ilegalmente e não pudéssemos entrar em contato”, disse Andrew Coleman, representante do SMART, durante a coletiva. “Deportados sem qualquer semelhança com o devido processo legal, um pilar sobre o qual este país foi fundado.”
García veio para os Estados Unidos ainda adolescente, disse Coleman, e não tem antecedentes criminais. “Não é suficiente admitir que você cometeu um erro. Você tem que consertar o erro.”
Krystal Oriadha, vice-presidente do conselho do condado de Prince George, também se manifestou na coletiva, chamando a deportação de García pela administração Trump de “intencional”.
“Sabemos que vocês estão sequestrando pessoas deste país intencionalmente, separando pais, mães, filhos e famílias, e estamos aqui para dizer a vocês, unidos como um conselho, que não toleraremos isso”, enfatizou Oriadha.
“Se permanecermos em silêncio e permitirmos que eles façam isso, o país que amamos deixará de existir”, afirmou.
“Somos uma nação de leis”,acentuou Eric Olson, membro do Conselho do Condado de Prince George. “Esta administração desrespeita essas leis.”
O governo Trump argumentou que não pode repatriar García porque ele está sob custódia salvadorenha e rejeitou preocupações de que ele possa ser torturado ou morto na prisão de CECOT.
“À noite, quando consigo dormir algumas horas, acordo com o mesmo pesadelo. Confusa em um lar vazio e destruído sem Kilmar, o pesadelo se tornou minha realidade”, disse Vásquez Sura. “Lutem por Kilmar e lutem por todas as famílias imigrantes, acendendo uma vela para as famílias separadas por causa do governo.”