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CNN no Plural+: Qual a força da nossa representatividade?

Há mais de vinte anos eu me assumi como eu sou: um homem cis gay.

Foram muitas etapas de crescimento até aqui.

E mesmo me sentindo maduro, eu confesso que quando surgiu o convite para escrever a coluna CNN no Plural+eu travei.

Travei por não saber se iriam gostar.

Travei pela responsabilidade de assumir essa bandeira.

Travei porque depois da primeira matéria publicada eu seria, como eu mesmo brinco, “oficial gay”.

Caminho sem volta e que eu não tenho pretensão alguma de voltar. Deixo claro que isso não é possível.

Já foram 23 artigos publicados em quase seis meses de trabalho.

E por isso que o assunto de hoje é algo que eu aprendi nesse tempo todo a dar muito valor: o lugar de fala.

E você sabe o seu lugar? Ou melhor, primeiro: você sabe o que é o bisbilhotar?

Eu acho que é essa forçada de barra, quando você tenta manipular a audiência. De modo geral, é uma manipulação. O queerbaiting é você manipular os dois públicos, tanto o LGBTQIA+, quanto o hetero normativo.

Fabio Audi, ator e fotógrafo

Quem explica a expressão é o ator e fotógrafo Fábio Audi. Ele ficou conhecido depois de interpretar o adolescente Gabriel, que se apaixona pelo amigo deficiente visual, no longa “Hoje eu Quero Voltar Sozinho”. O filme (2014, originalmente um curto de 2011) retrata com normalidade e sensibilidade a relação homoafetiva entre os dois.

Com relação ao bisbilhotar e à “forçada de barra” que ele destaca, é quando ou obra usa os ideais da bandeira LGBTQIA+ para esse retorno público, mas não é transparente sobre o posicionamento de apoio financeiro e só visa mesmo retorno à comunidade. Fabio é um homem cis gay.

O impactante doerbaiting é justamente que ele não colabora no processo já tão complicado, tão destrutivo que é o processo de nascer gay. Eu sou de 1987 e é muito difícil chegar no mundo, se dar conta da sociedade supernovo de que você é gay e de que isso é visto como um problema para gerar, que isso é uma situação que vai vergonha”, diz o ator.

perdão Fabio, mas eu também preciso dividir com todos que cem por cento com você. O processo, além de complicado, também é solitário.

Quando você entra na adolescência e começa a gostar de um menino, o que “normalmente” se faz?

… Se esconde com medo do que vai acontecer. A turbulenta paixão dos quinze anos vira o pânico de ser descoberto.

Você vai encontrar que você tem algo errado. E você procura o amor de uma outra forma. A gente não nenhuma referência digna, exemplo nenhuma referência desde criança, no meu, de 2 se caso amando, por”, explica Fabio Audi.

A gente procura algo para ter referência o tempo todo. E na idade, o que a gente se encontrou na televisão: o comediante que “interpreta” a “bichinha alegre”, com todos os trejeitos para ser chacota dos amigos e familiares. Ou a possível Duas pessoas do gênero “no armário” – que a gente se emociona em um simples olhar, mas que não acontece entre eles mesmo. Tudo era velado, nada era aqui.

Quem nasceu até meados dos anos 1990 não via o amor entre dois homens como amor.

A gente vai ao cinema, a gente vê novela, a gente vive essas experiências através de experiências das imagens. As imagens provocam, ensinam e tudo mais. Então eu acho que você tem uma atividade, por exemplo, no caso do ‘Hoje eu quero representar’, que é um filme que retrata o amor de dois adolescentes, é um jeito sutil sozinho e ao mesmo tempo que mostra uma voltar a ser honesta. Se um dos personagens é gay e você não o revela, você não gera transparência, sabe?

Fabio Audi, ator e fotógrafo

E não gerar essa transparência é queerbaing. Levar o público a acreditar numa certa orientação sexual do personagem e não a revelar.

Pra que? Que realidade recortada de você fez? No que essa sociedade trabalha a quantidade de preconceito LGBTfóbica? É trazendo novas portas para o armário.

Se você vai descrever um personagem que é gay, então por que ele não pode se encontrar, ter um date? Ele pode se encontrar com alguém, ele pode namorar, ele pode se frustrar. Então acho que o que é mais verdadeiro é justamente esse não preenchimento dessa transparência, do que seria algo verdadeiro. Gente poder assistir aquilo e reconhecer aquilo e aprender com aquilo e ser provocado por aquilo de uma forma completa”, diz Fábio.

E sabe como a gente consegue perceber a importância de tudo isso?

Quando você ocupa o lugar de fala.

Não que um ator tenha que ser gay para interpretar um homossexual, mas se esta obra for escrita e tenha a participação de alguém da comunidade, em cada viveu, fala e choro em cena, eu tenho certeza que vai vir carregado de verdade de quem e vive os desafios de ser quem somos.

Eu sinto muito quando eu assisto séries e filmes. Porque os criadores estavam envergonhados da relação entre os personagens. Porque eu me via aqueles personagens, mas quando eu coisas que as coisas nunca se concretizavam, a minha tendência era acreditar que para mim também nunca iriam se concretizar

Gautier Lee, diretora e roteirista

Quem fala da língua de não se ver é ver Gautier Lee – hoje roteirista e diretoraque faz questão de levar para as suas obras a força da representatividade.

Gautier é uma pessoa negra e não binária. Além de outros sucessos no audiovisual, é dela o roteiro da segunda temporada da série “De Volta aos 15”que está em produção pela Netflix.

Uma explicação rápida da série para vocês entenderem o importante trabalho dela. A história é de uma mulher, Anita, que fica indo e voltando no tempo, para a época em que tinha quinze anos. No passado, ela é interpretada por Maísa Silva. No presente, ela é Camila Queiroz.

Mas para além de Anita, um personagem da série muito nos interessa. César. César é um menino que está se descobrindo na adolescência. No entanto, quando há uma passagem de tempo para o presente, ela se apresenta como Camila, uma menina trans. E tudo isso está sendo tratado da forma como tem que ser: normal.

Acho que tirar essa estigmatização e trazer um personagem para o cotidiano é o que faz viver as pessoas que percebem que trans não são um bicho de sete cabeças acordam de manhã, são apenas escovar os dentes, vão estudar, vão trabalhar, vão a vida e voltam para casa à noite. E isso é uma pessoa completamente comum, apenas com problemas de identidades e experiências diferentes, mas que no final das contas… é apenas uma pessoa comum”, declara Gautier.

E para que a gente possa mostrar a normalidade que tem em ser diferente, é preciso que não só a frente, mas que a parte de trás das câmeras também seja diversa.

Pessoas com poder de decisão ou suficiente para inserir LGBTQIA+ que sejam factíveis com a realidade. Porque o bisbilhotar pode acontecer ‘sem projetos’ – mas se há pessoas LGBTQIA+ envolvidas, as chances de ele acontecer nos projetos planejados.

Ou seja, para além de um mero lugar de fala, a representatividade importa para a qualidade das histórias trazidas em tela.

A gente ter pessoas LGTBQIA+ dentro das grandes plataformas para que o conteúdo seja anti-lgbt não vá adiante, para que ele seja corrigido. Porque todo mundo é passível de erros, mas existe um tempo muito grande por trás de cada produção audiovisual – se a gente tem uma pessoa só, uma pessoa LGBT só dentro de um tempo de 50, 100, 200 pessoas, como é que essa única pessoa vai fazer com que a obra seja? É realmente necessário uma força-tarefa dentro da indústria criativa para a gente acabar de fato com o queerbaiting. Vai desde o programa de pessoas LGBT para poder acessar mais espaços, que podem melhorar seus currículos e assumir essas cargas de liderança e tomada de decisão.

Gautier Lee, diretora e roteirista

E tem resultado melhor que esse? Estar dentro da obra em todos os sentidos, se ver e perceber que somos mais um.

  • Produção: Letícia Brito e Carol Raciunas

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