Em uma década como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin deu mais de 74,3 mil decisões – a primeira delas no dia em que tomou posse no cargo: 16 de junho de 2015. De lá para cá, foram mais de 53,6 mil processos distribuídos ao seu gabinete, discutindo temas que vão desde os direitos dos povos indígenas isolados até o vínculo de emprego entre motoristas e plataformas de aplicativo.
Fachin completa nesta segunda-feira (16) dez anos de atuação na Corte. Indicado pela presidente Dilma Rousseff, ele ocupou a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa. Atual vice-presidente do STF, Fachin assumirá o comando da Corte a partir de setembro, após o período do ministro Luís Roberto Barroso na Presidência.
Referência no direito civil brasileiro e com olhar sensível para as causas sociais e trabalhistas, Fachin foi relator no STF de casos de impacto, em discussões sobre direitos humanos, segurança pública e direitos fundamentais.
Nesses dez anos como ministro, uma tradição se mantém em seu gabinete: o projeto Hora da Atualização. Criada por Fachin em agosto de 2015, a capacitação dos servidores já recebeu mais de 40 pesquisadores nacionais e internacionais. O evento é uma abertura de diálogo com foco na atualização e no aprimoramento da interpretação constitucional. Em 9 de junho, celebrando a década de Fachin como integrante do STF, a iniciativa recebeu o professor alemão Roland Tilman Quarch, especialista em propriedade intelectual.
SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Uma das questões mais emblemáticas e complexas debatidas recentemente pela Corte foi a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, relatada por Fachin. Em abril, o Plenário homologou parcialmente o plano de redução da letalidade policial apresentado pelo Estado do Rio de Janeiro. Um grupo de trabalho vai acompanhar o cumprimento da decisão e apoiar sua implementação.
O caso foi o primeiro em que o STF anunciou uma decisão colegiada obtida a partir de um consenso entre todos seus integrantes. A construção foi articulada a partir do voto do relator, que estendeu o diálogo às partes envolvidas e a entidades que atuam no tema.
Outro caso notório sobre segurança pública que Fachin relatou resultou na decisão unânime da Corte, no começo de abril, que proibiu revistas íntimas vexatórias em visitantes nos presídios. A tese de julgamento foi formulada a partir de uma proposta inicial do ministro, que passou a reunir contribuições e apontamentos dos colegas.
UBERIZAÇÃO E DIREITOS INDÍGENAS
Fachin também é relator do Recurso Extraordinário (RE) 1446336, que discute o fenômeno da “uberização” do trabalho. O recurso foi apresentado pela empresa Uber e contesta o reconhecimento de vínculo empregatício com um motorista de aplicativo.
A questão tem repercussão geral reconhecida, e o entendimento que vier a ser fixado deverá ser adotado em todas as disputas judiciais sobre o assunto no país. Diante da relevância do tema, o ministro convocou, em dezembro de 2024, uma audiência pública que ouviu mais de 50 expositores, incluindo especialistas, pesquisadores e representantes de entidades da sociedade civil.
Na ocasião, Fachin destacou o consenso entre os expositores sobre a importância do tema e sua relevância social, humana e econômica. Segundo ele, também ficou nítido que há discordância em diversos campos, o que será essencial para orientar a decisão a ser tomada pelo STF.
Em relação aos povos indígenas, Fachin é o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991, em que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) demanda medidas de proteção a indígenas isolados e de recente contato (grupos que mantém contato seletivo com segmentos da sociedade).
Depois de homologar parcialmente um plano de medidas de proteção e determinar à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) providências complementares, o ministro remeteu o caso para o Núcleo de Solução Consensual de Conflitos do Tribunal (Nusol/STF).
Ainda no tema, Fachin é o relator do RE 1017365, que discute se há um “marco temporal” para demarcação de terras indígenas. Em setembro de 2023, por 9 votos a 2, o Plenário julgou inconstitucional essa tese. Após o Congresso aprovar lei criando o marco, o tema voltou a ser levado ao STF por um conjunto de ações distribuídas ao ministro Gilmar Mendes, que abriu uma comissão para debater o assunto.
LAVA JATO
Após a morte do ministro Teori Zavascki, num acidente aéreo em janeiro de 2017, Fachin assumiu a relatoria dos processos da Lava Jato. Num dos mais recentes desdobramentos da operação, a Corte condenou, na Ação Penal (AP) 1025, o ex-presidente Fernando Collor a 8 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por envolvimento em um esquema de corrupção na BR Distribuidora.
IMPACTO SOCIAL
Em 2022, Fachin foi o responsável por suspender decretos da Presidência da República que flexibilizavam a compra e o porte de armas. Ao analisar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6139, 6466 e 6119, o ministro levou em conta o risco de aumento da violência política com a proximidade da campanha eleitoral que se iniciaria.
Outro caso de relatoria de Fachin foi a ADPF 572, em que o Supremo declarou, em 2020, a legalidade e a constitucionalidade do Inquérito (INQ) 4781, conhecido como “Inquérito das Fake News”. A investigação foi instaurada pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, com o objetivo de apurar notícias falsas, denúncias caluniosas e ameaças contra a Corte, seus ministros e familiares. A condução coube ao ministro Alexandre de Moraes.
Fachin também foi relator do Mandado de Injunção (MI) 4733, que permitiu enquadrar a homotransfobia como crime de racismo. A decisão, formulada em conjunto com o ministro Celso de Mello (aposentado) em 2019, reconheceu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize esses atos.
Em 2021, a Corte reconheceu que o crime de injúria racial é uma forma de racismo e é imprescritível, ou seja, pode ser julgado e punido independentemente de prazo. O entendimento foi adotado no HC 154248, de relatoria de Fachin. Essa posição também foi inserida na legislação pelo Congresso Nacional por meio da Lei 14.532/2023.
O ministro ainda relatou e teve seu voto acolhido no julgamento de 2020 em que o STF considerou inconstitucionais dispositivos de normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proibiam a doação de sangue por homens homossexuais. As regras excluíam do rol de habilitados os “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes nos 12 meses antecedentes”. A decisão foi dada na ADI 5543.
Em 2016, relatando a ADI 5357, Fachin foi acompanhado pela maioria dos colegas ao votar pela obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção de pessoas com deficiência no ensino regular e garantir as medidas de adaptação sem repasse financeiro às mensalidades.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 20, prevaleceu o voto de Fachin no julgamento em que a Corte reconheceu a omissão legislativa na regulamentação do direito à licença-paternidade. O tribunal fixou na ocasião prazo de 18 meses para que o Congresso edite lei nesse sentido.
QUEM É
Natural de Rondinha (RS), em 1958, Fachin fez sua vida no Paraná. Ele se formou em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1980, e tem mestrado e doutorado em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), concluídos respectivamente em 1986 e 1991.
Fez pós-doutorado no Canadá, atuou como pesquisador convidado do Instituto Max Planck, em Hamburgo, na Alemanha, e como professor visitante do King’s College, em Londres, na Inglaterra. O ministro foi professor titular de Direito Civil na UFPR.
Antes de integrar o Supremo, Fachin atuou como membro da comissão do Ministério da Justiça sobre a Reforma do Poder Judiciário e como colaborador na elaboração do novo Código Civil brasileiro no Senado. Também atuou como procurador do Estado do Paraná de 1990 a 2006 e na advocacia.
Fonte
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